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Não é difícil adivinhar que, tal como o presente e o passado recente, o futuro imediato será muito duro para a maioria dos portugueses. No que diz respeito ao rendimento real das famílias, o Banco de Portugal já prevê - no
"Boletim de Inverno" há dias divulgado - que a sua redução, global e progressiva, dará origem a descidas de 6% e de 1.8%, respectivamente, no consumo privado em 2012 e em 2013, descidas essas que vêm no seguimento da queda de 3.6% que o consumo privado registou em 2011.
A quebra acentuada dos rendimentos familiares levou o inquilino de Belém a manifestar várias vezes o seu desagrado, ao longo dos últimos doze meses:
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A cimeira intergovernamental de 9 de Dezembro "respondeu" à crise em que a UE está mergulhada (uns países mais mergulhados do que outros) com a receita previsível, atendendo ao que se sabe sobre a liderança Merkozy e sobre a submissão generalizada dos governos da zona euro ao que essa liderança vai decidindo: mais disciplina orçamental, se necessário somando austeridade à austeridade já instalada; sanções automáticas, pesadas, para os incumpridores.
A disciplina orçamental passará a ser orientada para o cumprimento de uma "regra de ouro" particularmente exigente: em cada país da UE, o chamado "défice estrutural" - "annual structural deficit of the general government (annual cyclically adjusted deficit, net of one-off and temporary measures)" - não deverá exceder 0.5% do PIB respectivo; são admitidas excepções apenas em casos em que a dívida pública seja "significativamente inferior" a um valor de referência que continua nos 60% do PIB.
Versão preliminar do acordo
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Está previsto que o documento referente ao "International Agreement on a Reinforced Economic Union" seja assinado pela maioria dos governos da UE (com a excepção do governo inglês) antes do fim de Março.
Dados oficiais recentes sobre os países da UE - défices orçamentais e dívida pública incluídos - mostram que muitos poucos satisfizeram a regra de ouro agora apontada como uma obrigação a cumprir. E, tal como sucede com a França e o Reino Unido, a Alemanha também não é um deles.
"Desvios colossais" em Portugal e "linha de comunicação" do Governo sobre eles
Entretanto, o Governo PSD/CDS acaba de divulgar a sua "linha de comunicação"
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sobre o "desvio colossal" em 2011 e o desvio (não menos colossal) que - sabemo-lo agora - é de esperar em 2012...
Virá aí mais AUSTERIDADE para tentar corrigir este segundo desvio?
SEXTA-FEIRA, 13
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A Sexta-feira passada foi negra para a União Europeia. Por um lado, as problemáticas negociações entre os credores privados da Grécia - representados pelo IIF - e o governo grego foram suspensas, nomeadamente em consequência de discordâncias sobre a extensão do "haircut" a aplicar, talvez superior a 50%. Por outro lado, a Standard & Poor's concluiu a revisão das suas avaliações a 16 países da zona euro e, no total, baixou o "rating" de nove países, motivada pela convicção de que as decisões da cimeira europeia de 9 de Dezembro e as iniciativas políticas dos líderes europeus nas últimas semanas podem ser insuficientes para resolver os problemas sistémicos na zona euro (a França, tal como a Áustria, perdeu o seu "rating" AAA).
Merecem particular destaque as seguintes considerações da Standard &
Poor's:
The outcomes from the EU summit on Dec. 9, 2011, and subsequent statements from policymakers lead us to believe that the agreement reached has not produced a breakthrough of sufficient size and scope to fully address the eurozone's financial problems. In our opinion, the political agreement does not supply sufficient additional resources or operational flexibility to bolster European rescue operations, or extend enough support for those eurozone sovereigns subjected to heightened market pressures.
We also believe that the agreement is predicated on only a partial recognition
of the source of the crisis: that the current financial turmoil stems primarily from fiscal profligacy at the periphery of the eurozone. In our view, however, the financial problems facing the eurozone are as much a consequence of rising external imbalances and divergences in competitiveness between the EMU's core and the so-called "periphery". As such, we believe that a reform process based on a pillar of fiscal austerity alone risks becoming self-defeating, as domestic demand falls in line with consumers' rising concerns about job security and disposable incomes, eroding national tax revenues.
No que a Portugal diz respeito, a Standard & Poor's cumpriu a ameaça que fez há cerca de um mês e decidiu baixar em dois níveis o 'rating', de BBB- para BB. Portugal passa assim a estar classificado como "lixo" nas três maiores agências de ‘rating' mundiais (todas americanas), depois das acções da Fitch e da Moody's em 2011. Além disso, a S&P indica que o processo de reestruturação da dívida grega, que foi agora interrompido, "pode afastar potenciais investidores em obrigações portuguesas e reduzir a probabilidade de Portugal regressar ao mercado algures em 2013". A S&P considera que "existem riscos significativos para o financiamento externo de Portugal nos próximos dois anos, uma vez que os credores das empresas privadas, primeiramente bancos da zona euro, devem reduzir as suas exposições a Portugal mais depressa do que o previsto anteriormente"; também tem dúvidas quanto aos custos para o Estado do processo de recapitalização dos bancos portugueses e receios em relação ao nível "muito elevado" da dívida pública e ao fraco potencial de crescimento económico. Esta agência de notação tem ainda 'outlook' negativo para Portugal, indicando que existe "pelo menos uma hipótese em três" de voltar a descer o 'rating' nos próximos 12 meses.
Os persistentes desequilíbrios externos, com défices ano após ano - nomeadamente no que se refere à balança de transacções correntes -, constituem uma fragilidade comum aos países sujeitos à chamada "crise da dívida soberana" da zona euro, os PIIGS e não só. A tabela seguinte, com dados recentes da UE, evidencia esse facto, bem como a situação excedentária nos países cujo "rating AAA" não oferece dúvidas (não é o caso da França nem o do Reino Unido) e a situação relativamente equilibrada da maioria dos países da UE:
Não é, portanto, por mera coincidência que os PIIGS estão entre os países da zona euro com pior PII (Posição de Investimento Internacional) - ou seja, com pior "passivo externo líquido" - e que os países com indiscutível "rating AAA" estão na situação oposta. O quadro seguinte, correspondente ao ano de 2010, mostra isso mesmo:
No caso de Portugal, que tinha um passivo externo líquido inferior a 10% do PIB em 1995, a situação foi-se agravando depois, ano após ano, até chegarmos aos mais de 100% do PIB em 2010: a pior posição a nível da zona euro, ainda pior que a da Grécia.
Aqui vai uma boa tentativa de explicação da derrapagem lusa:
COMO EXPLICAR O CRESCIMENTO DA DÍVIDA EXTERNA NACIONAL DESDE 1996?
Portugal enfrenta uma crise de dívida externa e de balança de pagamentos.
O elevado défice orçamental é, em grande parte, resultado dessa crise.
Importa, por isso, analisar a evolução da dívida externa nacional.
Essencialmente, dívida externa representa as obrigações financeiras de residentes do país a não residentes. Uma forma simples de entender a dívida externa é de que resulta, na sua essência, de uma procura interna do país acima da sua produção (PIB), i.e. do que vulgarmente se refere como "o país viver acima das suas possibilidades". Para financiar o que se "importa" a mais do que se "exporta", o país tem de recorrer ao crédito externo (ou seja a poupança externa), endividando-se face ao exterior nesse processo.
Existem várias medidas da dívida externa habitualmente referenciadas na literatura, nomeadamente, as definidas pelo FMI. Das medidas existentes, devido ao elevado grau de interligação entre as economias da Zona Euro, a adoptada neste artigo é o passivo externo líquido que constitui um bom indicador de eventuais crises de balança de pagamentos e de dívida externa. Com efeito, um passivo externo líquido mais elevado implica juros e dividendos a não residentes mais elevados, originando por essa via maiores défices da balança de rendimentos. Défices elevados na balança de rendimentos (e na balança comercial) estão frequentemente associados a crises de balança de pagamentos e de dívida externa.
O passivo externo líquido, é o simétrico da a posição de investimento internacional líquida (PII) compilada pelo Banco de Portugal (BdP), desde o 1º trimestre de 1996, no âmbito do programa especial de estatísticas SDDS (Special Data Dissemination Standards) do FMI. A PII mede a diferença entre activos e passivos financeiros de residentes face a não residentes, constituindo, portanto, uma medida da solvabilidade financeira do país. Um sinal positivo (negativo) indica que o país é credor (devedor) face ao exterior. A PII de Portugal no final de 2010 ascendia a -185,6 mil milhões de euros representando -107,5% do PIB.
Posição de Investimento Internacional líquida de Portugal
Como se pode constatar da figura 1 (à direita), a Posição de Investimento Internacional líquida (PII) evolui de uma situação aproximadamente equilibrada no 1º trimestre de 1996 (de cerca de -7,7% do PIB), para -107,5% do PIB no final de 2010 seja, o passivo externo líquido do país deteriorou-se muito significativamente neste período.
De forma mais precisa, o passivo externo líquido do país resulta essencialmente da soma acumulada das necessidades líquidas de financiamento da economia e de variações no valor de activos e passivos financeiros do país.
As necessidades líquidas de financiamento da economia são definidas pela identidade contabilística fundamental da balança de pagamentos: são, grosso modo, iguais à soma dos défices das balanças de bens e serviços (balança comercial), de rendimentos, de transferências correntes e de capital.
Balança de Transacções Correntes: (1953-1995) e Balança Corrente e de Capital (1996-2010)
A figura 2 (à direita) ilustra a evolução da balança de transacções correntes entre 1953 e 1995, e da balança corrente e de capital de 1996 até 2010, i.e., a evolução das necessidades líquidas de financiamento da economia nacional entre 1953 e 2010. Constata-se que desde 1953 o país importa mais do que exporta, i.e., "vive acima das suas possibilidades" (balança de bens e serviços).
A figura 3 (à direita) mostra que entre 1953 e 2010 o défice da balança de bens variou entre um mínimo de 2,9% do PIB em 1953 e um máximo de 19% do PIB em 1981; desde 1974, o défice da balança de bens tem sido elevado, representando, em média, 11,4% do PIB; exceptuando 1980-1986, tem variado relativamente pouco em relação a essa média.
Balança de Bens e Serviços e Corrente e de Capital 1953-2010
O défice da balança de bens tem sido, em décadas recentes, minorado por excedentes na balança de serviços. Não há um único ano entre 1953 e 2010 em que o país tenha tido um excedente na balança de bens ou na balança de bens e serviços e, por outro lado, a média do défice dessa balança foi de 7,4% do PIB. Desde a fixação da taxa de câmbio para efeitos da adopção do euro, que ocorreu a 31 de Dezembro de 1998, a média do défice da balança de bens e serviços foi de 8,6% do PIB e portanto apenas pouco acima da média histórica. De facto, há alguns dados que sugerem que a performance recente das exportações nacionais não é devida à alegada perda de competitividade internacional do país em resultado da adesão ao euro, que é apontada pela generalidade dos observadores nacionais e estrangeiros, como uma das principais causas da crise que o país actualmente enfrenta.
Os dados apresentados neste artigo sugerem que não há uma diferença substancial entre a evolução da balança de bens e serviços do país antes de 1996 e após 1996. Se assim é, coloca-se a questão de saber porque razão o país não padecia do problema de dívida externa até 1995 e porque é que desde então o passivo externo líquido cresceu rapidamente.
Evolução das remessas brutas de emigrantes e das transferências financeiras da UE
Só existem estatísticas sobre a PII do país desde o 1º trimestre de 1996. Antes de 1996 é possível inferir indirectamente - através dos elevados défices da balança de rendimentos (ver Figura 2) -, que o país registou episódios de sobre-endividamento externo entre 1978 e 1988.
Uma das possíveis explicações para o baixo passivo externo líquido do país em 1996, é que o país beneficiava, até meados da década de 90, de transferências unilaterais elevadas, resultantes de remessas de emigrantes e de fundos comunitários (ver figura 4, à direita). Sobretudo a partir de 1993, as remessas de emigrantes passam a ter cada vez menor expressão em percentagem do PIB. A redução dessas transferências provavelmente explica-se pela maior estabilidade cambial do escudo face às moedas dos principais países europeus nos anos que precederam a adopção do euro e posteriormente devido à adesão ao euro.
Até 1993, desvalorizações sucessivas do escudo contribuíam para reforçar o valor em escudos e em percentagem do PIB das transferências unilaterais para Portugal assim como para diminuir o valor das transferências unilaterais de Portugal para o exterior. Sobretudo a partir de meados de 1993, a taxa de câmbio do escudo contra o marco alemão, franco francês, e peseta espanhola, por exemplo, estabiliza em torno dos valores a que se viria dar a conversão para o euro a 31 de Dezembro de 1998.
Outra possível explicação para o baixo passivo externo líquido do país em 1995 relaciona-se igualmente com a questão cambial. Antes de 1995, sucessivas desvalorizações do escudo resultavam na valorização dos activos financeiros detidos por residentes portugueses no estrangeiro, quando expressos em escudos, ou na desvalorização do passivo nacional (activos detidos por não residentes) quando expresso em moeda estrangeira. Assim, a desvalorização do escudo resultava numa melhoria da PII (redução do passivo externo líquido) e numa melhoria da balança de rendimentos (os rendimentos recebidos pelos activos denominados em moeda estrangeira cresciam mais rapidamente que os rendimentos pagos pelos passivos denominados em escudos).
Finalmente, essas desvalorizações tenderiam a ter efeitos favoráveis, no curto prazo, na balança de bens e serviços.
Portanto até 1995, apesar do país "gastar", em média, mais do que produzia, a dinâmica de crescimento da dívida externa seria sustentável em resultado de sucessivas desvalorizações cambiais e do efeito destas sobretudo na PII do país, na balança de transferências unilaterais e na balança de rendimentos.
A partir de meados de 1993, deixam de ocorrer as desvalorizações cambiais no âmbito do processo de adesão ao euro. Daí resulta em parte que a balança de transferências correntes e a balança de capital passam a decrescer em percentagem do PIB e, portanto, deixam de ser suficientes para suportar o elevado défice da balança comercial e o crescente défice da balança de rendimentos (resultante do crescente passivo externo líquido).
Ou seja, a tese aqui defendida é que antes de 1995, o principal efeito favorável das desvalorizações cambiais não seria sobre a balança comercial (que de facto ocorreria em algum grau no curto prazo), mas sim sobre o excedente da balança de transferências unilaterais e sobre o défice da balança de rendimentos, este último através da melhoria da PII em resultado dessa desvalorização cambial. Após 1995, com a estabilidade cambial, esse efeito desaparece, levando a uma dinâmica de crescimento insustentável do passivo externo líquido e a um progressivo aumento das necessidades líquidas de financiamento da economia.
Portanto, o efeito do euro na dinâmica de crescimento da dívida externa (medida, como referido acima, pelo passivo externo líquido), a confirmar-se esta tese, dá-se sobretudo através do impacto da adesão ao euro no valor de mercado dos activos e passivos financeiros do país (i.e., na PII), na balança de rendimentos e na balança de transferências correntes e não através do seu efeito no comportamento das exportações e importações, como tem sido generalizadamente defendido.
Contudo o cerne dos problemas de financiamento que a economia portuguesa enfrenta continua a ser, desde há longas décadas, o elevado défice da balança de bens.
Conforme referido o crescente passivo externo líquido nacional desde 1996 resulta, por um lado, de um défice elevado e sistemático na balança de bens e serviços e, por outro lado, de maior estabilidade cambial desde meados de 1993 que é consequência da decisão política de aderir ao euro.
Entre o fim do 1º trimestre 1996 e o fim do 4º trimestre de 2010, a PII deteriorou-se passando de cerca de -6 mil milhões de euros para cerca de -186 mil milhões de euros . De acordo com as séries cronológicas da balança de pagamentos do BdP, as necessidades líquidas de financiamento da economia acumuladas entre essas datas, i.e., a poupança externa a que o país recorreu, foi de aproximadamente €166 mil milhões. Essa evolução explica-se sobretudo pelos défices acumulados da balança de bens de cerca de -234 mil milhões de euros e da balança de rendimentos de cerca de -61 mil milhões de euros. Esses défices foram contrabalançados pelos excedentes acumulados registados na balança de serviços e na balança de transferências correntes de cerca de 57 mil milhões de euros e 43 mil milhões de euros, respectivamente. Além disso, como referido acima, variações de preços dos activos e passivos financeiros e variações cambiais explicam também a evolução da PII. Estes dados indicam, sem margem para dúvidas, que a elevada dívida externa nacional resulta, fundamentalmente, do elevado défice acumulado da balança de bens (que explica 130% do aumento do passivo externo líquido entre o 1º trimestre de 1996 e o 4º trimestre de 2010) e, de forma crescente, dos juros que o país paga ao exterior para financiar essa dívida externa (que explica 34% desse aumento do passivo externo líquido).
Interessa identificar os principais determinantes do défice acumulado da balança de bens, analisando as categorias de importações com maior peso na procura interna entre 1996 e 2010. A tabela 1 sumaria o valor acumulado das importações, exportações e exportações líquidas de bens entre 1996 e 2010 por categoria agregada de produto classificação NC (Nomenclatura Combinada).
Valor acumulado das importações, exportações e exportações líquidas de bens entre 1996 e 2010
A tabela 1 (à esquerda, em baixo) mostra as áreas em que o país gasta mais do que produz. São áreas em que será necessário intervir para reduzir o défice na balança de bens e melhorar a dinâmica de crescimento do passivo externo líquido. Destacam-se cinco categorias de produtos pelo seu elevado impacto quer nas importações quer nas exportações líquidas: máquinas e aparelhos; veículos e outro material de transporte; combustíveis minerais; produtos agrícolas e produtos químicos. Representam 63% das importações de bens e 95% dos défices acumulados da balança de bens nesse período.
O elevado passivo externo líquido do país explica-se fundamentalmente pela elevada despesa interna acumulada nessas categorias de bens.
Dívida externa elevada constitui um problema grave para qualquer economia porque tem duas características importantes que a diferenciam de dívida doméstica: o pagamento de juros empobrece o país e; essa dívida e os juros que recaem sobre ela só podem ser pagos, de forma sustentável, com receitas de exportações (líquidas). Por exemplo, a venda de activos reais deverá ter um impacto esperado neutro no valor actual do passivo externo líquido. Embora resulte numa redução, no presente, do valor da dívida externa, implica um maior défice da balança de rendimentos no futuro.
O passivo externo líquido de Portugal, assim como o de outros países sujeitos à crise de dívida soberana da zona Euro, atingiu níveis historicamente sem precedentes para países de média dimensão. O juro composto faz a dívida externa crescer muito mais rapidamente que a economia portuguesa. Portanto, no caso português, para pagar essa dívida externa nacional integralmente o país teria de aumentar muito substancialmente as suas exportações líquidas, isto é, aumentar as suas exportações e reduzir significativamente as suas importações.
Como já se referiu, no período em análise, o país nunca registou um excedente anual na balança de bens e serviços - o défice médio da mesma foi de 7,4% do PIB entre 1953 e 2010 -. Em 2010, o défice naquela balança foi de 6,5% do PIB. Com base em algumas hipóteses simplificadoras é possível extrapolar a trajectória do passivo externo líquido em vários cenários. Em particular, o autor estima que, se não ocorrer uma reestruturação de dívida ou transferências unilaterais maciças de outros países, para o país pagar integralmente a sua dívida externa seria necessário que Portugal passasse a registar um saldo positivo na balança de bens e serviços de cerca de 6,0% do PIB durante mais de uma década e registasse uma taxa de crescimento nominal média de 4% ao ano. Nessas circunstâncias seria possível em 2025 voltar a atingir um passivo externo líquido similar ao registado no início de 1996 (7,7% do PIB).
Concluindo, desde pelo menos 1953 que o país consome mais do que produz, registando sistemáticos e elevados défices da balança de bens. Aliás, o défice da balança de bens que o país regista desde o início do processo de adesão ao euro em meados dos anos 90, não difere substancialmente do registado entre 1974 e meados dos anos 90, um período com moeda própria e caracterizado por sucessivas desvalorizações cambiais. Ou seja, afigura-se incorrecto atribuir ao euro a responsabilidade pelos elevados défices comerciais da balança de bens.
No entanto, afigura-se que a estabilidade cambial desde meados dos anos 90 resultou numa dinâmica de crescimento da dívida externa insustentável, devido aos efeitos dessa estabilidade na balança de transferências correntes, de rendimentos e na PII.
Para alterar a situação e colocar a dívida externa numa trajectória sustentável seria necessário um ajustamento externo sem precedentes e sustentado ao longo de mais de uma década. Isso teria de ocorrer numa altura em que vários dos principais mercados internacionais, destino das nossas exportações, estão igualmente sujeitos à crise de dívida soberana e a implementar medidas de política económica restritivas.
Na prática, é irrealista esperar, no âmbito da União Económica e Monetária e com as regras vigentes da política de concorrência da União Europeia que seja possível ao país ter um tal comportamento das suas exportações líquidas. Em todos os precedentes históricos as economias afectadas acabaram por se ver obrigadas a reestruturar a sua dívida (externa).
_________________
Ricardo Cabral, Economista e professor na Universidade do Funchal
Retirado do "Diário Económico" de 9 de Dezembro de 2011.
No passado dia 6 de Junho, logo a seguir às eleições legislativas, foi divulgado pelo FMI um "staff report" sobre os problemas de Portugal, as soluções preconizadas pela Troika e as dificuldades inerentes à concretização dessas soluções. Sob o tópico "Deep-rooted structural deficiencies have intensified Portugal's growth and competitiveness problem", um dos aspectos aí enfatizados é o "large stock of low-skilled labor" no nosso país, com forte contributo para o desemprego elevado e para a baixa produtividade que nos afectam. Nesta ordem de ideias, reproduz-se aqui uma figura deste "staff report", alusiva à percentagem escassa de "working-age population with at least upper secondary education":
A figura, que mostra uma percentagem deprimentemente baixa - e mesmo bastante inferior às dos restantes PIIGS -, refere-se ao ano de 2007, não sendo claros os motivos que levaram os autores do relatório a não usar dados mais recentes, porventura mais animadores (nomeadamente, graças às "Novas Oportunidades").
Para avaliar com detalhe os nossos progressos em matéria de redução do "défice educacional", é bastante recomendável a consulta do relatório "Estado da Educação 2011 - A Qualificação dos Portugueses", apresentado em Dezembro pelo Conselho Nacional de Educação. Trata-se de um retrato da Educação em Portugal, do pré-escolar ao ensino superior, com especial incidência na problemática da qualificação; mostra a evolução da qualificação dos portugueses, sobretudo na última década, identificando avanços, problemas e desafios, e apresentando recomendações dirigidas às autoridades educativas.
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Sucede que as actuais medidas - sem dúvida, draconianas - de contenção de despesa na área educativa, em nome da redução do défice orçamental do Estado, contribuem muito negativamente para o estado da Educação em Portugal. É óbvio que o nosso défice educacional, que registou alguma diminuição nos últimos anos, se vai agravar de novo. Neste contexto, que diz o actual primeiro-ministro sobre o crescente desemprego de professores?
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Segundo dados disponibilizados pela OCDE
[1],
[2], Portugal tem sido um dos países mais desiguais no âmbito dessa organização internacional, e é hoje também o país mais desigual no âmbito da União Europeia.
Um estudo recente - promovido pela Comissão Europeia e divulgado em Agosto de 2011 - sobre o impacto das medidas de austeridade aplicadas, desde 2009, em vários países da UE chega a conclusões bastante desconcertantes no caso de Portugal, em que essas medidas foram da responsabilidade de um governo dito "de esquerda", na sequência da vitória de Sócrates nas eleições de Setembro desse ano: diferentemente dos sacrifícios decorrentes dos pacotes de austeridade dos restantes países estudados, os sacrifícios inerentes aos sucessivos PECs de Sócrates atingiram mais os mais pobres e menos os mais ricos, agravando a situação de profunda desigualdade já existente
[3],
[4].
Vale a pena, a propósito destes dados - agora revelados pelos media lusos -, ler os comentários de um conhecido comentador político, também apontado como colaborador na preparação do programa eleitoral com que o Partido de Sócrates ganhou as referidas eleições:
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Não é previsível - antes pelo contrário - que a desigualdade venha a diminuir em Portugal nos próximos anos: como se já não bastassem o irrealismo das metas da Troika para o nosso país (aprovadas por PS, PSD e CDS-PP) e as medidas de um governo (PSD/CDS-PP) sob pressão e disposto a tudo para atingir essas metas, temos agora que suportar também os efeitos da austeridade europeia associada ao cumprimento do acordo de 9 de Dezembro, decidido na última "cimeira decisiva" da UE em 2011. Os números do desemprego - que não cessa de subir e afecta sobretudo as camadas populacionais com rendimentos mais baixos - são particularmente inquietantes em Portugal, à semelhança do que sucede em mais meia dúzia de países da UE (Espanha e Grécia à cabeça)
[5],
[6].
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A propósito do documento agora assinado, muito se vem falando sobre parte do que lá está - em matéria de férias, feriados e faltas - e mais ainda sobre algo que lá não ficou - a famosa meia hora adicional de trabalho diário.
Acontece que, no seu Artº 53 - o primeiro do capítulo dedicado aos "Direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores" -, a Constituição da República Portuguesa estabelece o seguinte: "É garantida aos trabalhadores a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos." Vale a pena observar então a forma como o documento agora assinado aborda o regime jurídico dos despedimentos, com pouquíssimo respeito por estes princípios constitucionais:
O Código do Trabalho prevê a possibilidade de despedimentos do trabalhador por inadaptação ou por extinção do posto de trabalho. Nestes termos, as PartesSubscritoras acordam a modificação de alguns aspetos do regime jurídico do despedimento, nos seguintes termos:
- No despedimento por extinção do posto de trabalho:
- Quando na secção ou estrutura equivalente da empresa haja uma pluralidade de postos de trabalho de conteúdo funcional idêntico e se pretenda proceder à extinção de apenas um ou de alguns deles, deve ser atribuída ao empregador a possibilidade de fixar um critério relevante não discriminatório face aos objetivos subjacentes à extinção, que permita selecionar o posto de trabalho a extinguir, mediante o procedimento e as consultas previstos nos artigos 369.º e 370.º do Código do Trabalho;
- Deve ser eliminada a obrigação de colocação do trabalhador em posto compatível.
- No despedimento por inadaptação:
- Deve ser eliminada a obrigação de colocação do trabalhador em posto compatível;
- O despedimento só pode ter lugar desde que sejam postos à disposição do trabalhador, para além da compensação devida, os créditos vencidos e os exigíveis por efeito da cessação do contrato de trabalho, até ao termo do prazo de aviso prévio;
- Redução do prazo de consultas em caso de despedimento por inadaptação e estabelecimento de um prazo para o empregador proferir o despedimento, através de decisão por escrito e fundamentada;
- Deve ser admitido o recurso ao despedimento por inadaptação que não decorra de modificações no posto de trabalho, o qual deve obedecer aos seguintes princípios:
(i) Verificação de uma modificação substancial da prestação realizada pelo trabalhador, de que resulte, nomeadamente, a redução continuada de produtividade ou de qualidade, avarias repetidas nos meios afetos ao posto de trabalho ou riscos para a segurança e saúde do trabalhador, de outros trabalhadores ou de terceiros, determinados pelo modo do exercício das funções e que, em face das circunstâncias, seja razoável prever que tenha caráter definitivo;
(ii) Estabelecimento de um procedimento adequado a assegurar os meios de reação do trabalhador;
(iii) Determinação de mecanismos tendentes a proporcionar a eliminação da situação de inadaptação, designadamente mediante a concessão de formação profissional;
(iv) Fixação de um período de trinta dias, com vista à modificação da prestação por parte do trabalhador;
(v) À semelhança do que se verifica na inadaptação com modificações no posto de trabalho, estabelecer a intervenção dos representantes dos trabalhadores;
(vi) Admissibilidade do direito de denúncia do contrato pelo trabalhador, com manutenção do direito a compensação, a partir do momento em que a situação de inadaptação lhe seja comunicada.
É bem sabido que, até hoje, todos os "acordos tripartidos" de "concertação social" - entre as associações patronais, as associações sindicais e cada um dos sucessivos governos - contaram com a assinatura da UGT; quanto à principal central sindical - a CGTP, que tem aproximadamente o dobro de sindicalizados -, ao invés, é frequente dizer-se que nunca subscreveu esses acordos.
Contudo, a verdade é que a CGTP subscreveu até hoje quatro desses "acordos tripartidos", três deles em 2001, durante a governação Guterres: sobre políticas de emprego, mercado de trabalho e formação profissional; sobre condições de trabalho, higiene, segurança e sinistralidade no trabalho; sobre a modernização da segurança social. O último acordo tripartido assinado pela CGTP - sobre a fixação e evolução
do salário mínimo nacional - aconteceu em 2006, durante o primeiro Governo Sócrates. Sucede que, a pretexto da crise, este último acordo
acabou por ser depois posto em causa pelo segundo Governo Sócrates, sob pressão dos representantes patronais que o tinham assinado...
Nos media lusos, falou-se já muito destas declarações sobre a lusa dívida:
Palestra de um conhecido estudante de "Sciences Po"
| "Grito de alma" de Pedro Nunes dos Santos, vice-presidente do grupo parlamentar do PS
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Em contrapartida, pouco se falou deste documento e da iniciativa que lhe está associada:
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Relativamente ao tema da "crise da dívida soberana" que afecta Portugal e outros países europeus, Paul Krugman comentou já no seu
blogue um
trabalho recente de Gianluca Cafiso, antigo consultor do BCE. É bem conhecida a crítica de Krugman ao facto de a resposta política europeia assentar no pressuposto de que os "excessos orçamentais" foram, por todo o lado, o “vilão” da dita crise; contudo, não deixa de salientar que "Alguns países europeus estavam numa trajectória orçamental insustentável muito antes da crise financeira de 2008-09, casos da Grécia, Portugal e Reino Unido; ao invés, outros estavam numa trajectória relativamente sólida, casos de Espanha, Irlanda e Itália”.